sexta-feira, 24 de julho de 2009

Poemas de Manuel Bandeira

Cotovia

- Alô, cotovia!

Aonde voaste,

Por onde andaste,

Que saudades me deixaste?


- Andei onde deu o vento.

Onde foi meu pensamento

Em sítios, que nunca viste,

De um país que não existe. . .

Voltei, te trouxe a alegria.


- Muito contas, cotovia!

E que outras terras distantes

Visitaste? Dize ao triste.


- Líbia ardente, Cítia fria,

Europa, França, Bahia...

- E esqueceste Pernambuco,

Distraída?


- Voei ao Recife, no Cais

Pousei na Rua da Aurora.


- Aurora da minha vida,

- Que os anos não trazem mais!


- Os anos não, nem os dias,

Que isso cabe às cotovias.

Meu bico é bem pequenino

Para o bem que é deste mundo:

Se enche com uma gota de água.

Mas sei torcer o destino,

Sei no espaço de um segundo

Limpar o pesar mais fundo.

Voei ao Recife, e dos longes

Das distâncias, aonde alcança

Só a asa da cotovia,

- Do mais remoto e perempto

Dos teus dias de criança

Te trouxe a extinta esperança,

Trouxe a perdida alegria.


Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei


Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive


E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada


Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar


E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei

—Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

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